Curaçao se classifica para a Copa do Mundo de 2026 com elenco 100% holandês

Em um dos momentos mais surpreendentes da história das eliminatórias da Concacaf, Curaçao garantiu sua primeira classificação para uma Copa do Mundo — e fez isso com um time composto inteiramente por jogadores nascidos na Holanda. O feito aconteceu em 18 de novembro de 2025, quando a equipe caribenha empatou em 0 a 0 com a Jamaica em Kingston, fechando a terceira fase das eliminatórias na liderança do Grupo B com 12 pontos. Nenhum dos 24 jogadores da seleção nasceu na ilha de apenas 156 mil habitantes. Todos, desde o goleiro até o atacante, são filhos da Europa — e isso muda tudo o que se pensava sobre identidade, pertencimento e o futuro do futebol.

Um time que não veio da ilha, mas carrega sua alma

A Curaçao é um território autônomo do Reino dos Países Baixos desde 2010. Antes disso, fazia parte das Antilhas Holandesas, junto com Aruba e Bonaire. Por isso, seus cidadãos têm passaporte holandês — e, consequentemente, direito de jogar por qualquer seleção da Holanda, incluindo a equipe principal da ilha. Isso não é novidade. O que é inédito é usar esse direito de forma tão radical: 24 jogadores, todos nascidos na Holanda, sem um único nativo da ilha no elenco. Ninguém esperava isso. Afinal, Curaçao nunca tinha passado da segunda fase das eliminatórias. Mas o técnico Dick Advocaat, ex-comandante da seleção holandesa e ex-treinador de clubes como PSV Eindhoven e Rangers FC, apostou em uma lógica puramente técnica: os melhores jogadores disponíveis, independentemente do local de nascimento.

Advocaat, que assistiu à partida decisiva da Holanda por questões familiares, nunca escondeu sua filosofia: "Se o jogador tem talento, tem passaporte e quer representar Curaçao, ele é nosso". E o resultado? Um time organizado, físico, com boa circulação de bola e defesa sólida. Nas últimas seis partidas, sofreu apenas dois gols. A Jamaica, que chegou a bater na trave três vezes no segundo tempo e teve um pênalti anulado pelo VAR nos acréscimos, foi incapaz de quebrar a muralha.

Menor país da história a se classificar

Curaçao superou a Islândia, que, com cerca de 350 mil habitantes, era o menor país a se classificar para uma Copa do Mundo — em 2018. Agora, Curaçao, com menos da metade da população, ocupa esse lugar histórico. A ilha tem 444 km² — menos que a cidade de São Paulo. Mas sua equipe, apelidada de "A Onda Azul" por causa da cor de seu uniforme, não teme tamanho. "É como um time de escola que vence o campeonato estadual com jogadores que nem moram na cidade", disse um analista da revista Veja. "Mas aqui, o que vale é a identidade, não a geografia."

A classificação também é um triunfo da expansão da Copa do Mundo. De 32 para 48 equipes, o torneio de 2026 — que será sediado conjuntamente por Canadá, Estados Unidos e México — abriu portas para seleções antes invisíveis. Além de Curaçao, Haiti, Cabo Verde, Jordânia e Uzbequistão também estrearão em Mundiais. A Concacaf teve cinco vagas diretas: além de Curaçao, Panamá e Haiti também garantiram vaga. O Panamá voltou após oito anos, com vitória por 3 a 0 sobre El Salvador. O Haiti, com 11 pontos, superou Honduras no saldo de gols. Jamaica e Suriname, em segundo, vão à repescagem em março de 2026.

Um legado que vai além do futebol

Um legado que vai além do futebol

A conquista de Curaçao não é só esportiva. É política, cultural e até filosófica. A ilha, que tem uma identidade caribenha forte — com música, comida e linguagem próprias — vive em uma tensão constante entre sua herança holandesa e sua realidade insular. Muitos jovens deixam a ilha para estudar ou jogar na Europa. A seleção agora é um símbolo de pertencimento: você não precisa nascer aqui para representar aqui. "É o contrário do que a maioria pensa", disse o jornalista Willem de Jong, da R7 Esportes. "Curaçao não é um time de imigrantes. É um time de descendentes que escolheram voltar. E isso é poderoso."

Em 2017, Curaçao já havia vencido a Copa do Caribe, superando a Jamaica na final. Em 2019, foi convidada para a Copa do Rei na Tailândia — e venceu o Vietnã. Mas nada se compara a isso. Nenhum título regional, nenhuma vitória amistosa, nem mesmo a conquista da Copa do Caribe, teve o impacto de um lugar no Mundial. A ilha inteira parou na noite de 18 de novembro. Lojas fecharam. Famílias se reuniram em frente a telões. Alguém até soltou fogos de artifício em um estacionamento.

O que vem a seguir?

O que vem a seguir?

A Copa do Mundo de 2026 começa em 11 de junho e termina em 19 de julho. Curaçao será colocada em um grupo com seleções de peso — possivelmente Brasil, Alemanha ou Espanha. Mas não importa. O que importa é que, pela primeira vez, um país com menos de 200 mil habitantes vai disputar uma partida oficial em um Mundial. E vai fazer isso com um elenco que nem conhece a praia de Willemstad, nem já comeu keshi yena, nem sabe o nome do hino nacional em papiamento. Mas sabe jogar futebol. E isso, agora, é o suficiente.

Frequently Asked Questions

Como é possível uma seleção ter jogadores nascidos na Holanda se é de Curaçao?

Curaçao é um território autônomo do Reino dos Países Baixos desde 2010. Seus cidadãos têm passaporte holandês, o que lhes permite jogar por qualquer seleção da Holanda, incluindo a equipe de Curaçao. Isso não é ilegal — é regulamentado pela FIFA. A seleção pode escolher jogadores com cidadania holandesa, mesmo que tenham nascido na Europa, desde que tenham vínculo com a ilha — como descendência, residência ou cidadania.

Por que isso não aconteceu antes com outras colônias?

Outros territórios, como as Ilhas Virgens Americanas ou Guam, não têm o mesmo nível de infraestrutura esportiva ou acesso a ligas europeias. Curaçao tem uma tradição de futebol desde os anos 1950, com academias e ligas locais fortes. Além disso, muitos jogadores da ilha crescem na Holanda, onde têm mais visibilidade. A combinação de acesso, talento e política de seleção fez a diferença.

Qual foi o impacto da expansão da Copa do Mundo para 48 equipes?

A expansão permitiu que seleções menores, antes excluídas, tivessem chance real. Antes, apenas 32 times se classificavam — e a Concacaf tinha apenas 3,5 vagas. Agora, são 6 vagas diretas. Isso abriu espaço para países como Curaçao, Haiti, Cabo Verde e até Jordânia. Sem essa mudança, Curaçao provavelmente teria sido eliminada ainda na fase de grupos das eliminatórias.

O técnico Dick Advocaat está realmente ligado a Curaçao?

Advocaat nunca morou em Curaçao, mas tem raízes holandesas e uma longa carreira no futebol da região. Ele foi convidado em 2023 para revitalizar a seleção, e aceitou por acreditar no potencial do projeto. Sua experiência com seleções menores, como a Holanda e a África do Sul, foi decisiva. Ele não está na ilha, mas sua filosofia está — e isso bastou.

O que isso significa para o futuro do futebol global?

Curaçao mostra que a identidade nacional no futebol está se tornando mais fluida. A próxima geração pode representar países por conexão cultural, não por geografia. Isso pode inspirar outras nações com diásporas grandes — como a China, a Índia ou o próprio Brasil — a repensar como formam suas seleções. O futebol está deixando de ser um jogo de fronteiras e se tornando um jogo de pertencimento.

Escrever um comentário