
Quando Gabriel Sérgio Mithá Ribeiro, vice‑presidente do CHEGA e deputado da Assembleia da República representando a circunscrição de Leiria, anunciou na última sexta‑feira, 22 de setembro de 2024, sua renúncia ao cargo e ao partido. A decisão chegou logo depois de ser excluído do governo‑sombra que o líder do partido, André Filipe Simões Ventura, havia montado. O que começou como um afastamento interno rapidamente virou polêmica nacional.
Contexto político e trajetória de Mithá Ribeiro
Nascido em 23 de agosto de 1965, em Moçambique, Gabriel Sérgio Mithá Ribeiro chegou a Portugal ainda jovem e construiu uma carreira que mescla academia, jornalismo e política. Antes de entrar no CHEGA, passou quinze anos no Partido Social Democrata, onde atuou em cargos de base e desenvolveu sua formação como historiador.
Em 30 de janeiro de 2022, foi eleito deputado na XV Legislatura, integrando as comissões de Educação, Energia e Ambiente. Pouco depois, em 4 de abril do mesmo ano, fez sua primeira visita oficial ao aterro de Azambuja ao lado da deputada Rita Matias, sinalizando o interesse do CHEGA por questões ambientais, ainda que de forma controversa.
O salto dentro do partido foi rápido: submeteu‑se ao programa eleitoral de 2022, ajudou a redigir o documento‑base e, em menos de dois anos, tornou‑se vice‑presidente do CHEGA. Essa ascensão fez dele o principal representante étnico‑minoritário dentro da agremiação, algo que, para muitos analistas, trouxe visibilidade ao tema da diversidade no campo conservador.
As três controvérsias que marcaram o mandato
1. Candidatura ao vice‑presidência da Assembleia
Logo após sua eleição, o partido apoiou Mithá Ribeiro como candidato ao cargo de vice‑presidente da Assembleia da República. No plenário de julho de 2022, a proposta foi rejeitada com 37 votos favoráveis, 177 em branco e 11 nulos, num total de 225 deputados presentes. Em entrevista coletiva, Mithá afirmou que "fui rejeitado num país que anda há décadas a dizer que combate o racismo" e criticou a retórica partidária que, segundo ele, mascara discriminação.
2. Artigo nacionalista no Observador
Em setembro de 2022, o deputado publicou uma coluna defendendo o nacionalismo como “única forma de autodefesa dos povos”. No texto, ele acusou uma suposta “conluio de elites antinacionais” que, segundo ele, deslegitimava o sentimento patriótico. A peça gerou reações acaloradas, com vários intelectuais e jornalistas rotulando‑a como xenófoba, enquanto alguns aliados do CHEGA a elogiaram como um “grito de soberania”.
3. Conflito com o governo‑sombra de André Ventura
A última faísca surgiu quando, em setembro de 2024, o partido lançou um governo‑sombra composto por ministros independentes e membros do CHEGA. Mithá foi deixado de fora, o que ele descreveu como “a última tentativa do meu assassinato cívico”. No dia 22 de setembro, publicou no Observador um artigo titulado “André Ventura: os 7 pecados mortais do predador narcísico”, acusando o líder de ter uma “personalidade tóxica” que, segundo ele, “envenena o país”.
Ventura, em entrevista coletiva à imprensa em Lisboa, recusou‑se a comentar os detalhes das acusações, dizendo que “não quero alimentar isso” e que “a política deve ser um serviço, não uma disputa por lugares”. Ele também negou a existência de racismo dentro do CHEGA.
Reação de André Ventura e implicações para o CHEGA
A postura de Ventura – evitar respostas diretas e enfatizar a “missão de serviço” – fez crescer a especulação sobre fissuras internas. Analistas do Jornal de Notícias apontam que a saída de um deputado tão visível pode sinalizar “uma limpeza estratégica” ou, ao contrário, “uma falta de tolerância a críticas internas”.
Para o CHEGA, perder Mithá Ribeiro significa perder um rosto que ajudava a afastar a acusação de exclusão racial. Em termos eleitorais, o partido ainda não tem clareza sobre como preencherá a vaga em Leiria. Enquanto alguns membros exigem que a substituição venha de dentro da bancada, outros sugerem abrir espaço para um novo candidato que reflita a diversidade que o partido tenta projetar.
Impacto no cenário político português
- Redefinição da estratégia de comunicação do CHEGA perante minorias étnicas.
- Possível aumento da pressão de partidos de esquerda para investigar alegações de racismo no parlamento.
- Fortalecimento da narrativa de "partido autoritário" usada por opositores nas próximas campanhas.
- Desafio para André Ventura equilibrar o discurso populista com a necessidade de unidade interna.
O caso também reacendeu o debate sobre a representatividade dos povos de origem africana na esfera política portuguesa. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, apenas 2,5% dos deputados da atual legislatura são negros, número que ainda não refletiu a composição demográfica do Brasil, mas que tem crescido moderadamente nos últimos ciclos eleitorais.
Especialista em ciência política da Universidade Nova de Lisboa, Dra. Carla Monteiro, comenta que “a saída de Mithá Ribeiro pode ser vista como um sintoma de tensões dentro de partidos que ainda não sabem lidar com a pluralidade de vozes”. Ela acrescenta que “a forma como o CHEGA responderá será crucial para sua imagem nas eleições de 2026”.
O que vem a seguir para o partido e para Mithá Ribeiro
Nos próximos dias, o CHEGA deve anunciar seu substituto na lista de Leiria e, possivelmente, reorganizar o governo‑sombra para evitar novas rupturas.
Já Mithá Ribeiro, que ainda não definiu seu próximo passo, tem sido citado como possível colaborador de mídias independentes e professor universitário. Em entrevista ao programa “Manhãs da República”, ele insinuou que “a experiência política não termina aqui; a luta por uma educação de qualidade continua”.
Se a partida for apenas o fim de um capítulo ou o prenúncio de um novo movimento dentro da direita portuguesa, só o tempo dirá. Enquanto isso, os eleitores de Leiria aguardam o próximo nome que ocupará a cadeira deixada por um dos deputados mais vocais da atual legislatura.
Perguntas Frequentes
Por que Mithá Ribeiro decidiu deixar o CHEGA?
Ele alegou que a exclusão do governo‑sombra foi a "última tentativa de assassinato cívico" e criticou a liderança de André Ventura, descrevendo‑a como "narcisista". A decisão também reflete desentendimentos sobre a estratégia do partido e a percepção de falta de espaço para representantes de minorias.
Qual foi o impacto da rejeição da candidatura ao cargo de vice‑presidente da Assembleia?
A votação, com 37 votos favoráveis, 177 em branco e 11 nulos, acabou por expor a fragilidade de apoio ao CHEGA dentro da Assembleia e serviu de gatilho para as críticas de Mithá sobre racismo institucional, aumentando a tensão interna.
Como a saída de Mithá Ribeiro afeta a representatividade negra no parlamento?
Com sua partida, o número de deputados negros cai para seis na atual legislatura, reduzindo a visibilidade das minorias étnicas e gerando críticas de organizações de direitos civis que pedem maior inclusão.
O que André Ventura disse sobre as acusações de racismo dentro do partido?
Em entrevista em Lisboa, Ventura recusou‑se a confirmar a existência de racismo no CHEGA, afirmando que "não quero alimentar isso" e que a política deve ser um serviço, não uma disputa por lugares.
Qual o próximo passo do CHEGA para preencher a vaga em Leiria?
O partido ainda não divulgou o nome do substituto, mas fontes internas indicam que pretende escolher um candidato que mantenha a linha conservadora e, ao mesmo tempo, restaure a imagem de inclusão que o partido tinha com a presença de Mithá.
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